15.1.06

Assaltante de vielas (Eduardo Cunha)

Numa azulada noite de Luar,
Como um assaltante de uma escura viela
Eu quero roubar teus afagos e carinhos,
Quero sentir a noite como ela é bela
Sonhando com teu corpo e tua alma.
Como um assaltante eu te quero levar
E, no dealbar da madrugada,
Quando a lua se esconder
Quero sentir que te não perdi e vou amar.
E nos calabouços da minha imaginação
Eu espiarei minha pena em te querer,
Sentirei temor pela minha carcereira
A quem um dia roubei os pensamentos
E que jamais, jamais lhos posso devolver.
E com grilhetas na alma me prendendo,
Vou estar esperando
Para te sempre assaltar e roubar
Teus carinhos e tuas ternuras.
Depois, nas escuras vielas do meu ser.
E nos gemidos de dor e de prazer
Se ficará a conhecer a ternura Entre uma mulher apaixonada e um larápio do amor.

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12.1.06

Libertação (Eduardo Cunha)

Libertação.

Me deixem ser quem eu quero ser
Não quero ser aquilo que querem que eu seja.
Não quero grilhetas, nem sociais convenções
E outras limitações.
Eu Quero escolher
Eu Quero Viver e amar
Quem e quando entender.
Por favor
Não me prendam,
Me deixem mudar.
Quero cortar cordões umbilicais
Terminar
Procurar e
Esquecer o que fui
E passar a ser um outro e
Que ao acordar sinta,
Que a liberdade faz
Parte de mim, e
Que eu possa voar nas asas do vento e
Da imaginação, para outros lugares
E outras gentes.
Quero as chaves da porta
Que me prende.
Quero, quero, eu quero tudo isso,
E quero gritar bem alto
Minha dor
Meus tormentos,
Mas por favor me deixem
ser quem eu quero
Também sou desejo, sou amor
Quero viver,
Ainda que no caos da razão,
Mas quero a liberdade
De amar
De beber
E até de chorar.
Parem de me prender,
Me deixem sair.

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5.1.06

As minhas duas mulheres especiais

Há uns vinte anos atrás, a minha vida e minha saúde começaram a modificar-se por via de uma doença neuromuscular, que aos pouco se foi apoderando de meus músculos reduzindo-os a simples e pequenas massas sem préstimo algum, condicionando o meu andar e movimentos normais de qualquer ser humano. Lentamente fui perdendo, primeiro, a capacidade de levantar as pontas dos pés, fazendo agravar aquilo que tecnicamente se define como pé pendente, e depois, os quadricípedes foram-se tornando massas de gordura e perdendo a tonicidade habitual, até que o andar só era possível pelo apoio de bengalas ou de vulgares canadianas.

Os sucessivos exames médicos não foram conclusivos, e ora se procurava por uma causa, pesquisando nos sistemas e ramais nervosos da coluna, ou fazendo sucessivas biopsias a que me sujeitei, por forma a retirar pequenas porções de músculo e nervo, que observadas microscópicamente pelos entendidos, e à luz dos conhecimentos então existentes, acabaram por arranjar causas em hipóteses pouco credíveis.

A verdade é que nada se concluindo de forma evidente e científica, restava tentar diminuir os impactos, promovendo o uso de fisioterapeutas e suas técnicas, mas tentando evitar exageros de tratamento, porque poderia estar em causa um aumento das progressão dos males, evitando o desgaste dos poucos músculos existentes.
E o tempo foi decorrendo com sessões que não fizeram nada de novo, nem mesmo no campo funcional. E a minha qualidade de vida foi drasticamente reduzida e meus horizontes temporais cada vez mais complicados e inatingíveis.

Assim se passaram dez anos em que nada se alterou no campo da doença, da sua identificação concreta, e do conhecimento médico sobre ela. Mas a ciência nesta área se desenvolveu mais nestes últimos dez anos que em quase nos últimos cinquenta, e em especial no campo da medicina, passaram a ser desvendados segredos e mistérios, que permitiram o conhecimento exacto de situações que antes estavam catalogadas e misturadas com muitas outras semelhantes.

É o caso de distrofias que são tantas, semelhantes, e com o mesmo resultado nos doentes – a degradação neuromuscular - e no fim se vão acabando por revelar com origens diferentes. Muitas destas doenças foram identificadas, umas conseguindo ter cura mas outras ainda, as genéticas, sabendo-se onde se encontra o “erro” genético, mas sem possibilidades de as resolver.

E foi assim que há cinco anos eu acabei sabendo que minha doença já catalogada e identificada se trata da redução ou inexistência de uma proteína da membrana celular, denominada “dysferlin”, e que foi identificada em finais de 1999. E assim passei a ser dono de uma maleita com nome, o que nada mais acrescentou à sua necessária cura, já que é uma doença órfã... Órfã porque existindo tão poucos doentes, os laboratórios não se preocupam muito com a pesquisa de tratamentos, pois o retorno do investimento não é assegurado.

Mas muito recentemente, ao tomar conhecimento de que existem vários graus de severidade da doença, em função da quantidade de disferlina existente, acabei relacionando isto com o facto de continuar a manter força muscular nos membros superiores, e de durante quase quarenta anos ter mantido uma massa muscular adequada à minha estatura, e que só depois de uma imobilização forçada de três meses, em que as massas musculares se tinha reduzido, a doença cavalgou e se instalou gradativamente.
Ora, portanto, nada impedia que se fosse efectuada uma correcta acção de recuperação muscular, os resultados se poderiam começar a sentir em alguns meses, se o nível de severidade de minha doença fosse reduzido, o que se desconhecia
E assim, voltei a fazer fisioterapia, apoiado por uma terapeuta de nova geração, profissional de qualificado conhecimento, e em pouco mais de dois meses nos apercebemos de que algo estava mudando nos movimentos e o crescimento de massas musculares se havia iniciado. É indescritível a satisfação que obtive, e a perspectivação de melhoras passaram a fazer parte do meu horizonte.
E se o meu empenho nos tratamentos, foi importante, não devo deixar de reconhecer a competência profissional da terapeuta Joana, que procurou resolver alguns bloqueamentos funcionais e que acabaram por resolver a qualidade de minha marcha. Era evidente que algo de importante estava a acontecer. Mas a fisioterapia por si só não era a única forma de providenciar recuperação, já que alguns aspectos relacionados com amplitudes de movimentos, e mesmo de esforço necessário, aconselhavam que me socorresse da hidroterapia, onde os movimentos são mais fáceis de executar e o nosso peso diminui de forma significativamente, permitindo esforços de maior performance, sem existência de cansaço.
São demais conhecidos os benefícios da natação, mas para mim constituiu novidade a quantidade de exercícios de musculação e movimentação possíveis de realizar. Escolhi as aulas de Hidroterapia das Piscinas do Estádio Nacional, onde encontrei uma profissional de valor e dedicação, que me conseguiu transmitir alegria e energia. A minha amiga licenciada em motricidade, de seu nome Mónica, foi a responsável por parte do meu êxito.
E assim a Joana e a Mónica são as mulheres que ocupam o centro de minha existência, e tornando-se cúmplices de uma recuperação provável e previsível. A elas o devo poder visualizar a luz no fundo do túnel das dificuldades, ao mesmo tempo que o meu ego começa crescendo, e de uma forma expressiva me faz renascer de esperança e de confiança. A ambas a minha profunda gratidão.

E todo este trabalho vai prosseguir pois com ele foi possível que iniciasse trabalhos de musculação, em máquinas comuns de ginásio, e que antes meus músculos não suportariam. Agora, tudo se encaminha para que em mais uns meses de trabalho se retorne a vinte anos atrás quando eu era um jovem cheio de força e vontade de viver.

O renascer está acontecendo.

Educunha
04Jan2006