25.5.05

O Lobito - Recordações da juventude (2)


Dezoito de Julho de mil novecentos e cinquenta. O Douglas DC-3, matrícula CR-LBK construído quatro anos antes, começou a descida para perfurar o nevoeiro intenso do cacimbo angolano. Aproximava-se do Bocoio e dentro de pouco mais de vinte minutos estaria rolando na pista do aeroporto do Lobito. A aeronave agitou-se devido a diferentes pressões que atravessava, transmitindo alguma vibração à estrutura, e aos seus ocupantes. Após alguns minutos de voo sem visibilidade, e quando deveria começar a aparecer na linha do horizonte o mar de Angola, deu-se um embate violento contra a montanha, seguindo-se um incêndio imediato, espalhando-se numa vasta área, os restos da aeronave e o seu conteúdo. O piloto havia iniciado as manobras de descida, demasiado cedo e um erro de altitude estaria na causa do acidente. Todos os ocupantes, três tripulantes e seis passageiros acabam de perder a sua vida. Era o primeiro acidente aéreo em Angola, com um avião da DTA Direcção de Transportes Aéreos.

A cerca de trezentos quilómetros de distância para o interior planáltico de Angola, uma família via alterada a sua vida, pela morte precoce do seu marido e pai, um jovem de 25 anos de idade, que ao Lobito se deslocava para ali procurar casa para a instalação da família. Este jovem era o meu pai, e a sua morte condicionou e alterou de tal forma a nossa vida, que hoje passados mais de cinquenta anos, estou fazendo uma apreciação do que poderia ter sido e do que foi a nossa vida.

Este episódio acabou alterando a decisão que meu pai havia tomado de irmos residir para o Lobito, onde meu avô materno residia há alguns anos, e onde previsivelmente a família iria continuar a crescer. Eis porque não sendo um lobitanga de nascença, o sou de coração e com profundas ligações afectivas.

Quando passava as férias grandes com meu avô na casa junto aos armazéns, havia um barbeiro que lá aparecia em casa ao domingo de manhã, fazendo-se transportar numa bicicleta, meio de transporte muito habitual porque as planuras do terreno a isso permitiam, e lá vinha ele com a sua maleta e as máquinas podadoras do cabelos, tesouras e toda aquele ferramental para boa execução da tarefa. Eu achava engraçada aquele hábito, já que em Nova Lisboa, estava habituado a ir ao Grazina, barbeiro na alta, junto ao Rádio Clube e frente à oficina de bicicletas do Faísca, que anos mais tarde virou taxista com um belo Mercedes com espelhos retrovisores nos guarda--lamas. Anos mais tarde, este barbeiro de domingos, abriu o Salão Central que eu e o avô continuámos a frequentar.

A imensa baía do Lobito oferecia ao amante da pesca a possibilidade de regressar a casa com uma boa pescaria. Dias havia em que o maldito peixe entrava de greve e nem um só acaba por trincar o isco, felizmente que eram mais os dias em que o pessoal acabava regressando com peixe para a casa e para os amigos e família.

Quando ia de férias deliciava-me com as tardes de sábado em que com o meu tio Manecas Cunha, lá íamos apanhar o barco às instalações do LSC, junto da Capitania, e navegávamos até à entrada do canal da baía, mais perto do farol do Quileva, e ali, em zona rochosa, íamos dando conta de umas quantas garoupas. Depois íamos mudando a embarcação para zonas com fundo de areia, portanto mais perto da ponta da restinga e aí tentar apanhar outro tipo de peixe. Antes do regresso, era obrigatório umas voltas para a pesca de corrico, pesca feita com a embarcação em marcha lenta e onde uma amostra de isco, em madeira e cheia de anzóis era arrastada. Quando confundida com um peixe, era “abocanhada”, naturalmente por peixes de maior dimensão, e que davam uma luta terrível para serem arrastadas. A emoção acabava por fazer com que o regresso fosse feito já com a noite instalada e com as luzes das ruas a ajudarem a identificar as posições. Mas o trabalho ainda não terminara pois havia ainda que colocar o motor fora de bordo a trabalhar em água doce, para evitar a corrosão. Anos mais tarde o a nova sede do LSC proporcionou excelentes condições ao manuseamento e tratamento das embarcações.

Esta era uma das ligações ao mar que aquela maravilhosa terra permitia, e que muitas saudades a todos nos trazem. Recordar é viver.