27.5.05

O Lobito - Recordações da juventude (3)

As embarcações regressavam a terra normalmente na hora do almoço, e passavam juntinho ao areal, com as velas recolhidas e impelidas pela força dos remos. Os pescadores iam anunciando os seus peixes pescados horas antes no alto mar. Algumas vezes a transparência da água, com uma profundidade que não ultrapassava um metro, permitia encontrar um ou outro choco, que acabava atingido pelo remo lançado em jeito de lança. Quando acontecia acertar no bicho, acrescentavam-no aos produtos de mar a vender.

- Boa garoupa, cherne, espada grande, pargo mulato patrão.… anunciavam eles, e o produto era ali mesmo comerciado. Aquilo era verdadeiramente, de boa qualidade e mais fresco não poderia haver.

Esta imagem, que muitas vezes vivi, porque a nossa casa era debruçada para a baía, como acontecia a quem residia no lado interior da restinga, sempre me acompanhou e aqui quero recordar os pescadores de profissão do Lobito.

Em frágeis embarcações de madeira, vulgarmente designadas de “chatas”, devido ao fundo direito sem quilha, dotado de um sistema de fixação de vela composto por um mastro de eucalipto, esquio e alto, colocado a meio da embarcação e cruzando um latino bastardo. As velas eram feitas de retalhos de lona clara ligados entre si, por vezes tão remendados e com aberturas por onde o vento que as impelia se ia escapando. A tripulação era composta de três a cinco pescadores. Homens feitos na dura lide do mar, envelhecidos e com alguns cabelos brancos. O negro para ter muitos cabelos brancos precisa de ser muito velho.

De madrugada partiam do designado Lobito velho, no local onde o banco de areia se formou para dar origem à restinga, e, aproveitando o vento junto à costa dirigiam-se à entrada do canal e dali inflectido para noroeste apoitavam a cerca de meia milha, iniciando a sua faina de pesca à linha, até que, satisfeitos e naturalmente cansados, regressavam ao interior da baía, bordejando junto à praia até cerca das chamadas casa da Mineira, e iam vendendo o seu produto. Daqui atravessavam a baia e regressavam á costa do velho Lobito.

Algumas embarcações eram feitas de bimba pelos pescadores da praia da Bebé, transportavam um a dois pescadores. Eram embarcações feitas com uma espécie de madeira pouco lenhosa, tipo balsa, e pouco resistente, mas muito leve e que flutuava bastante bem. Os troncos eram juntos uns aos outros com cavilhas de madeira, e a disposição dos troncos era singular pois a parte mais grossa dos mesmos constituía a ré da embarcação, enquanto a proa era aguçada e constituída pela união das pontas mais delgadas dos troncos. A sua flutuação era garantida pelo material, e pelas uniões entre os troncos entrava a água que servia para manter o pescado vivo, e os pés frescos…

Eu tive uma bimba que comprei a um pescador conhecido por uma centena de angolares. Com ela fiz também as minhas pescarias e eu e os meus amigos dela usámos e brincámos até ao dia em que de tanto ser usada e não tratada, acabou partindo-se.

É verdadeiramente digno de registo, a coragem destes pescadores que nestas embarcações tão frágeis se aventuravam em busca do seu ganha pão. Não sei se essa comunidade de pescadores ainda faz o mesmo, que há quarenta anos, se continuam tendo o seu cliente de praia, ou se simplesmente já não existem.