31.5.05
O Lobito - Álvaro de Carvalho e a radiodifusão em Angola
O Lobito foi berço da rádio no sul de Angola, e muitos lobitangas desconhecem estes episódios que fazem parte da história da radiodifusão de angolana. Não pretendo fazer história ou descrevê-la com exacta forma como qualquer episódio deve ser tratado, mas tão-somente dar a conhecer o que se passou.
Depois do início das emissões do Rádio Clube de Angola, em Luanda, um movimento de entusiastas no Lobitos acabou exigindo ao Governo da província apoios equivalentes ao que foram concedidos à rádio luandense. Estávamos na época da segunda guerra, e o entusiasta radioamador Álvaro de Carvalho, CR6AA de seu indicativo, construiu o emissor e foi a partir de sua casa que foram feitas as primeiras emissões. Posteriormente foram feitas novas instalações – o célebre edifício em forma de bolo – e já nos anos sessenta a nova sede na zona da colina.
Para a maioria dos antigos residentes deve ter passada despercebida uma vivenda na Avenida do Império, na esquina do quarteirão seguinte à casa da Purfina, e em frente da casa do caçador Cabral. Naquele exacto local foram feitas as primeiras emissões, com umas antenas montadas entre torres e mastros, que provavelmente ainda lá se encontram. Curiosamente as emissões foram escutadas primeiro no exterior de Angola, devido à frequência utilizada, mas posteriormente passou a trabalhar na banda dos 42 metros e então passou a ser recebida em toda a Angola.
Como sou entusiasta destas coisas do radioamadorismo, embora não tivesse sido meu conhecido, Álvaro de Carvalho sempre foi uma referência, não só por ser detentor do primeiro indicativo oficial, mas também porque a sua entrega à comunidade lobitense, construindo, e colocando em emissão o primeiro equipamento de uma radiofónica no sul de Angola, constitui um exemplo perfeito do cumprimento do preceito do decálogo do radioamadorismo.
Depois do início das emissões do Rádio Clube de Angola, em Luanda, um movimento de entusiastas no Lobitos acabou exigindo ao Governo da província apoios equivalentes ao que foram concedidos à rádio luandense. Estávamos na época da segunda guerra, e o entusiasta radioamador Álvaro de Carvalho, CR6AA de seu indicativo, construiu o emissor e foi a partir de sua casa que foram feitas as primeiras emissões. Posteriormente foram feitas novas instalações – o célebre edifício em forma de bolo – e já nos anos sessenta a nova sede na zona da colina.
Para a maioria dos antigos residentes deve ter passada despercebida uma vivenda na Avenida do Império, na esquina do quarteirão seguinte à casa da Purfina, e em frente da casa do caçador Cabral. Naquele exacto local foram feitas as primeiras emissões, com umas antenas montadas entre torres e mastros, que provavelmente ainda lá se encontram. Curiosamente as emissões foram escutadas primeiro no exterior de Angola, devido à frequência utilizada, mas posteriormente passou a trabalhar na banda dos 42 metros e então passou a ser recebida em toda a Angola.
Como sou entusiasta destas coisas do radioamadorismo, embora não tivesse sido meu conhecido, Álvaro de Carvalho sempre foi uma referência, não só por ser detentor do primeiro indicativo oficial, mas também porque a sua entrega à comunidade lobitense, construindo, e colocando em emissão o primeiro equipamento de uma radiofónica no sul de Angola, constitui um exemplo perfeito do cumprimento do preceito do decálogo do radioamadorismo.
27.5.05
O Lobito - Recordações da juventude (3)
As embarcações regressavam a terra normalmente na hora do almoço, e passavam juntinho ao areal, com as velas recolhidas e impelidas pela força dos remos. Os pescadores iam anunciando os seus peixes pescados horas antes no alto mar. Algumas vezes a transparência da água, com uma profundidade que não ultrapassava um metro, permitia encontrar um ou outro choco, que acabava atingido pelo remo lançado em jeito de lança. Quando acontecia acertar no bicho, acrescentavam-no aos produtos de mar a vender.
- Boa garoupa, cherne, espada grande, pargo mulato patrão.… anunciavam eles, e o produto era ali mesmo comerciado. Aquilo era verdadeiramente, de boa qualidade e mais fresco não poderia haver.
Esta imagem, que muitas vezes vivi, porque a nossa casa era debruçada para a baía, como acontecia a quem residia no lado interior da restinga, sempre me acompanhou e aqui quero recordar os pescadores de profissão do Lobito.
Em frágeis embarcações de madeira, vulgarmente designadas de “chatas”, devido ao fundo direito sem quilha, dotado de um sistema de fixação de vela composto por um mastro de eucalipto, esquio e alto, colocado a meio da embarcação e cruzando um latino bastardo. As velas eram feitas de retalhos de lona clara ligados entre si, por vezes tão remendados e com aberturas por onde o vento que as impelia se ia escapando. A tripulação era composta de três a cinco pescadores. Homens feitos na dura lide do mar, envelhecidos e com alguns cabelos brancos. O negro para ter muitos cabelos brancos precisa de ser muito velho.
De madrugada partiam do designado Lobito velho, no local onde o banco de areia se formou para dar origem à restinga, e, aproveitando o vento junto à costa dirigiam-se à entrada do canal e dali inflectido para noroeste apoitavam a cerca de meia milha, iniciando a sua faina de pesca à linha, até que, satisfeitos e naturalmente cansados, regressavam ao interior da baía, bordejando junto à praia até cerca das chamadas casa da Mineira, e iam vendendo o seu produto. Daqui atravessavam a baia e regressavam á costa do velho Lobito.
Algumas embarcações eram feitas de bimba pelos pescadores da praia da Bebé, transportavam um a dois pescadores. Eram embarcações feitas com uma espécie de madeira pouco lenhosa, tipo balsa, e pouco resistente, mas muito leve e que flutuava bastante bem. Os troncos eram juntos uns aos outros com cavilhas de madeira, e a disposição dos troncos era singular pois a parte mais grossa dos mesmos constituía a ré da embarcação, enquanto a proa era aguçada e constituída pela união das pontas mais delgadas dos troncos. A sua flutuação era garantida pelo material, e pelas uniões entre os troncos entrava a água que servia para manter o pescado vivo, e os pés frescos…
Eu tive uma bimba que comprei a um pescador conhecido por uma centena de angolares. Com ela fiz também as minhas pescarias e eu e os meus amigos dela usámos e brincámos até ao dia em que de tanto ser usada e não tratada, acabou partindo-se.
É verdadeiramente digno de registo, a coragem destes pescadores que nestas embarcações tão frágeis se aventuravam em busca do seu ganha pão. Não sei se essa comunidade de pescadores ainda faz o mesmo, que há quarenta anos, se continuam tendo o seu cliente de praia, ou se simplesmente já não existem.
- Boa garoupa, cherne, espada grande, pargo mulato patrão.… anunciavam eles, e o produto era ali mesmo comerciado. Aquilo era verdadeiramente, de boa qualidade e mais fresco não poderia haver.
Esta imagem, que muitas vezes vivi, porque a nossa casa era debruçada para a baía, como acontecia a quem residia no lado interior da restinga, sempre me acompanhou e aqui quero recordar os pescadores de profissão do Lobito.
Em frágeis embarcações de madeira, vulgarmente designadas de “chatas”, devido ao fundo direito sem quilha, dotado de um sistema de fixação de vela composto por um mastro de eucalipto, esquio e alto, colocado a meio da embarcação e cruzando um latino bastardo. As velas eram feitas de retalhos de lona clara ligados entre si, por vezes tão remendados e com aberturas por onde o vento que as impelia se ia escapando. A tripulação era composta de três a cinco pescadores. Homens feitos na dura lide do mar, envelhecidos e com alguns cabelos brancos. O negro para ter muitos cabelos brancos precisa de ser muito velho.
De madrugada partiam do designado Lobito velho, no local onde o banco de areia se formou para dar origem à restinga, e, aproveitando o vento junto à costa dirigiam-se à entrada do canal e dali inflectido para noroeste apoitavam a cerca de meia milha, iniciando a sua faina de pesca à linha, até que, satisfeitos e naturalmente cansados, regressavam ao interior da baía, bordejando junto à praia até cerca das chamadas casa da Mineira, e iam vendendo o seu produto. Daqui atravessavam a baia e regressavam á costa do velho Lobito.
Algumas embarcações eram feitas de bimba pelos pescadores da praia da Bebé, transportavam um a dois pescadores. Eram embarcações feitas com uma espécie de madeira pouco lenhosa, tipo balsa, e pouco resistente, mas muito leve e que flutuava bastante bem. Os troncos eram juntos uns aos outros com cavilhas de madeira, e a disposição dos troncos era singular pois a parte mais grossa dos mesmos constituía a ré da embarcação, enquanto a proa era aguçada e constituída pela união das pontas mais delgadas dos troncos. A sua flutuação era garantida pelo material, e pelas uniões entre os troncos entrava a água que servia para manter o pescado vivo, e os pés frescos…
Eu tive uma bimba que comprei a um pescador conhecido por uma centena de angolares. Com ela fiz também as minhas pescarias e eu e os meus amigos dela usámos e brincámos até ao dia em que de tanto ser usada e não tratada, acabou partindo-se.
É verdadeiramente digno de registo, a coragem destes pescadores que nestas embarcações tão frágeis se aventuravam em busca do seu ganha pão. Não sei se essa comunidade de pescadores ainda faz o mesmo, que há quarenta anos, se continuam tendo o seu cliente de praia, ou se simplesmente já não existem.
25.5.05
O Lobito - Recordações da juventude (2)
Dezoito de Julho de mil novecentos e cinquenta. O Douglas DC-3, matrícula CR-LBK construído quatro anos antes, começou a descida para perfurar o nevoeiro intenso do cacimbo angolano. Aproximava-se do Bocoio e dentro de pouco mais de vinte minutos estaria rolando na pista do aeroporto do Lobito. A aeronave agitou-se devido a diferentes pressões que atravessava, transmitindo alguma vibração à estrutura, e aos seus ocupantes. Após alguns minutos de voo sem visibilidade, e quando deveria começar a aparecer na linha do horizonte o mar de Angola, deu-se um embate violento contra a montanha, seguindo-se um incêndio imediato, espalhando-se numa vasta área, os restos da aeronave e o seu conteúdo. O piloto havia iniciado as manobras de descida, demasiado cedo e um erro de altitude estaria na causa do acidente. Todos os ocupantes, três tripulantes e seis passageiros acabam de perder a sua vida. Era o primeiro acidente aéreo em Angola, com um avião da DTA Direcção de Transportes Aéreos.
A cerca de trezentos quilómetros de distância para o interior planáltico de Angola, uma família via alterada a sua vida, pela morte precoce do seu marido e pai, um jovem de 25 anos de idade, que ao Lobito se deslocava para ali procurar casa para a instalação da família. Este jovem era o meu pai, e a sua morte condicionou e alterou de tal forma a nossa vida, que hoje passados mais de cinquenta anos, estou fazendo uma apreciação do que poderia ter sido e do que foi a nossa vida.
Este episódio acabou alterando a decisão que meu pai havia tomado de irmos residir para o Lobito, onde meu avô materno residia há alguns anos, e onde previsivelmente a família iria continuar a crescer. Eis porque não sendo um lobitanga de nascença, o sou de coração e com profundas ligações afectivas.
Quando passava as férias grandes com meu avô na casa junto aos armazéns, havia um barbeiro que lá aparecia em casa ao domingo de manhã, fazendo-se transportar numa bicicleta, meio de transporte muito habitual porque as planuras do terreno a isso permitiam, e lá vinha ele com a sua maleta e as máquinas podadoras do cabelos, tesouras e toda aquele ferramental para boa execução da tarefa. Eu achava engraçada aquele hábito, já que em Nova Lisboa, estava habituado a ir ao Grazina, barbeiro na alta, junto ao Rádio Clube e frente à oficina de bicicletas do Faísca, que anos mais tarde virou taxista com um belo Mercedes com espelhos retrovisores nos guarda--lamas. Anos mais tarde, este barbeiro de domingos, abriu o Salão Central que eu e o avô continuámos a frequentar.
A imensa baía do Lobito oferecia ao amante da pesca a possibilidade de regressar a casa com uma boa pescaria. Dias havia em que o maldito peixe entrava de greve e nem um só acaba por trincar o isco, felizmente que eram mais os dias em que o pessoal acabava regressando com peixe para a casa e para os amigos e família.
Quando ia de férias deliciava-me com as tardes de sábado em que com o meu tio Manecas Cunha, lá íamos apanhar o barco às instalações do LSC, junto da Capitania, e navegávamos até à entrada do canal da baía, mais perto do farol do Quileva, e ali, em zona rochosa, íamos dando conta de umas quantas garoupas. Depois íamos mudando a embarcação para zonas com fundo de areia, portanto mais perto da ponta da restinga e aí tentar apanhar outro tipo de peixe. Antes do regresso, era obrigatório umas voltas para a pesca de corrico, pesca feita com a embarcação em marcha lenta e onde uma amostra de isco, em madeira e cheia de anzóis era arrastada. Quando confundida com um peixe, era “abocanhada”, naturalmente por peixes de maior dimensão, e que davam uma luta terrível para serem arrastadas. A emoção acabava por fazer com que o regresso fosse feito já com a noite instalada e com as luzes das ruas a ajudarem a identificar as posições. Mas o trabalho ainda não terminara pois havia ainda que colocar o motor fora de bordo a trabalhar em água doce, para evitar a corrosão. Anos mais tarde o a nova sede do LSC proporcionou excelentes condições ao manuseamento e tratamento das embarcações.
Esta era uma das ligações ao mar que aquela maravilhosa terra permitia, e que muitas saudades a todos nos trazem. Recordar é viver.
21.5.05
O Lobito - Recordações da juventude
Olá Amigos
Estando os meus avós a residir no Lobito, habituei-me desde muito tenra idade e viver naquela terra, onde passei sempre os três meses de férias, até que em 1963, ali passei a residir. Em 1968 fui cumprir o serviço militar e mantive sempre contacto com aquela terra, e despedi-me dela definitivamente em Outubro de 1975, com os olhos a não conterem as lágrimas, quando me fui despedir de meus avós que entenderam prosseguir a sua permanência no Lobito o que aconteceu até 1984, se não estou errado.
É por isso que embora não nascido no Lobito eu me sinto um Lobitanga já que os melhores amigos e com os quais me correspondo, foram ganhos e cimentados nas traquinices da nossa mocidade ali passada.
Graças à Sanzalangola reencontrei muitos de quem nada sabia, conheci outros que sabia existirem mas que não nos havíamos ainda cruzado, e principalmente acabei reencontrando os ténues fios que me ligam ao meu passado, e que agora, depois de reformado, e com mais tempo disponível, quero reforçar. È que se para muitos a terra deles está acessível a umas horas de viagem de automóvel, para nós angolanos, longe da terra que nos viu nascer, acabamos por sentir necessidade de manter acesas e vivas as recordações da nossa juventude como forma de nos afirmarmos como tendo passado.
Nem sempre a disposição para escrever è a melhor, mas vou lendo e mantenho-me atento ao que se vai dizendo e escrevendo, e vou recebendo e arquivando fotos antigas e actuais daquela cidade maravilhosa, que a todos proporcionou um crescimento na juventude, revestido de uma qualidade impar.
A primeira casa que me recordo de viver no Lobito foi numa casa que tinha uma varanda enorme em madeira, virada para a baía, ao lado de uns armazéns de vinho do Teotónio Pereira, onde anos mais tarde na década de sessenta a Mocidade Portuguesa tinha o estaleiro e armazém das embarcações de remo.
Ainda me recorda a primeira vez que fui com meu avô ver o terreno onde seria construída a nossa casa, na ponta da restinga, um extenso areal com coqueiros e casuarinas para a retenção das areias. Estávamos em mil novecentos e cinquenta e um e recordo-me bem desta data porquanto tenho uma foto dos meus cinco anos feitosd no Lobito, e a minha memória associou essa data com a construção da casa . Nada ali havia em redor e até à ponta do farol haveria talvez mais umas três ou quatro vivendas.
O local transformou-se num aprazível lugar com um jardim tratado e onde estava o Poeta, uma escultura de autoria do Dr. Canhão Bernardes, numa casa e que, hoje ao rever as imagens recentes, vejo o abandono em que se encontra, sem os quatro enormes coqueiros que lhe davam uma protecção aos excessivos raios solares, e sem os cuidados que meu avô Madeira lhe dedicava, mantendo sempre a pintura de azul celeste, de que hoje existe uma muito pálida imagem. A praia frente ao jardim está muito diferente, com os avanços da água das marés que lhe foi retirando areia e acabou destruindo as casuarinas que ali havia. Mesmo de frente de nossa casa foi ali construído um paredão com cerca de trinta metros pois o avanço das águas nos finais dos anos cinquenta assim o obrigou. Desse paredão pescava em dias de maré-alta, e por ele subia e descia. No extremo desse paredão, para o lado sul, reencontrei o coqueiro que ali plantei em 1970, quando em Março, por altura da calema, vi aquela planta a ser arrastada pelas águas que atravessavam a restinga, vindas do alto do mar, junto às velhas casas onde moravam os Diniz. Como que agradecida, a planta vingou e cresceu transformando-se num belo coqueiro.
Recordo também os momentos em que estando na água do lado da baía, me chamavam de casa, com um apito, para ir almoçar. Uma passagem pelo jardim e uma mangueirada de água doce, subir as escadas, vestir a roupa seca e logo após o almoço, o regresso às lides marinhas… Que qualidade de vida. Falo nisto a meus filhos, naturais também, de Angola, mas dali saídos com dois e três anos, e que portanto não haviam vivido e beneficiado de tais mordomias…
Eu estudei no Colégio Camões, onde fui fazer o meu quinto ano. Como era um jovem bastante encorpado, comparativamente como os meus colegas, um deles, de nome Pita, e de quem nada sei desde essa altura, apelidou-me de BigJoe, e assim acabei sendo mais conhecido pela alcunha que pelo meu nome.
Segue oportunamente.
Estando os meus avós a residir no Lobito, habituei-me desde muito tenra idade e viver naquela terra, onde passei sempre os três meses de férias, até que em 1963, ali passei a residir. Em 1968 fui cumprir o serviço militar e mantive sempre contacto com aquela terra, e despedi-me dela definitivamente em Outubro de 1975, com os olhos a não conterem as lágrimas, quando me fui despedir de meus avós que entenderam prosseguir a sua permanência no Lobito o que aconteceu até 1984, se não estou errado.
É por isso que embora não nascido no Lobito eu me sinto um Lobitanga já que os melhores amigos e com os quais me correspondo, foram ganhos e cimentados nas traquinices da nossa mocidade ali passada.
Graças à Sanzalangola reencontrei muitos de quem nada sabia, conheci outros que sabia existirem mas que não nos havíamos ainda cruzado, e principalmente acabei reencontrando os ténues fios que me ligam ao meu passado, e que agora, depois de reformado, e com mais tempo disponível, quero reforçar. È que se para muitos a terra deles está acessível a umas horas de viagem de automóvel, para nós angolanos, longe da terra que nos viu nascer, acabamos por sentir necessidade de manter acesas e vivas as recordações da nossa juventude como forma de nos afirmarmos como tendo passado.
Nem sempre a disposição para escrever è a melhor, mas vou lendo e mantenho-me atento ao que se vai dizendo e escrevendo, e vou recebendo e arquivando fotos antigas e actuais daquela cidade maravilhosa, que a todos proporcionou um crescimento na juventude, revestido de uma qualidade impar.
A primeira casa que me recordo de viver no Lobito foi numa casa que tinha uma varanda enorme em madeira, virada para a baía, ao lado de uns armazéns de vinho do Teotónio Pereira, onde anos mais tarde na década de sessenta a Mocidade Portuguesa tinha o estaleiro e armazém das embarcações de remo.
Ainda me recorda a primeira vez que fui com meu avô ver o terreno onde seria construída a nossa casa, na ponta da restinga, um extenso areal com coqueiros e casuarinas para a retenção das areias. Estávamos em mil novecentos e cinquenta e um e recordo-me bem desta data porquanto tenho uma foto dos meus cinco anos feitosd no Lobito, e a minha memória associou essa data com a construção da casa . Nada ali havia em redor e até à ponta do farol haveria talvez mais umas três ou quatro vivendas.
O local transformou-se num aprazível lugar com um jardim tratado e onde estava o Poeta, uma escultura de autoria do Dr. Canhão Bernardes, numa casa e que, hoje ao rever as imagens recentes, vejo o abandono em que se encontra, sem os quatro enormes coqueiros que lhe davam uma protecção aos excessivos raios solares, e sem os cuidados que meu avô Madeira lhe dedicava, mantendo sempre a pintura de azul celeste, de que hoje existe uma muito pálida imagem. A praia frente ao jardim está muito diferente, com os avanços da água das marés que lhe foi retirando areia e acabou destruindo as casuarinas que ali havia. Mesmo de frente de nossa casa foi ali construído um paredão com cerca de trinta metros pois o avanço das águas nos finais dos anos cinquenta assim o obrigou. Desse paredão pescava em dias de maré-alta, e por ele subia e descia. No extremo desse paredão, para o lado sul, reencontrei o coqueiro que ali plantei em 1970, quando em Março, por altura da calema, vi aquela planta a ser arrastada pelas águas que atravessavam a restinga, vindas do alto do mar, junto às velhas casas onde moravam os Diniz. Como que agradecida, a planta vingou e cresceu transformando-se num belo coqueiro.
Recordo também os momentos em que estando na água do lado da baía, me chamavam de casa, com um apito, para ir almoçar. Uma passagem pelo jardim e uma mangueirada de água doce, subir as escadas, vestir a roupa seca e logo após o almoço, o regresso às lides marinhas… Que qualidade de vida. Falo nisto a meus filhos, naturais também, de Angola, mas dali saídos com dois e três anos, e que portanto não haviam vivido e beneficiado de tais mordomias…
Eu estudei no Colégio Camões, onde fui fazer o meu quinto ano. Como era um jovem bastante encorpado, comparativamente como os meus colegas, um deles, de nome Pita, e de quem nada sei desde essa altura, apelidou-me de BigJoe, e assim acabei sendo mais conhecido pela alcunha que pelo meu nome.
Segue oportunamente.